EDIÇÃO Nº 257 / OUTUBRO DE 2023
Acho que as pessoas têm dificuldade para me escutar falar a respeito da minha dor, Perdi meu marido há 45 anos. Quero falar sobre ele, mas sinto que isso incomoda as pessoas. O que posso fazer? NOREEN, EUA
Querida Noreen,
Há uma verdade inconveniente que se estende como uma sombra sobre cada relacionamento longo e amoroso — que um deve ficar e o outro partir. E essa partida derradeira e inevitável leva consigo uma parte fundamental do nosso ser, nos deixando com um terrível sentimento de incompletude. A perda traz consigo o vazio desolador da tristeza, e em nossa solidão, buscamos conforto nas pessoas. Nesse estado de luto, frequentemente descobrimos que perdemos não apenas a quem amávamos, mas também aqueles a quem buscamos, pois instintivamente sentem-se repelidos por nosso sofrimento. Temos um desejo desesperado de falar sobre a pessoa que nos deixou, de manter viva sua memória , mas no momento de nossa maior necessidade, o mundo recua ao ver em nós aquela verdade fria e desconfortável - a vida é perda. Enquanto o mundo, ansioso diante da dor, se retrai, ficamos sozinhos com o espírito desvanecente de nosso amado.
Como a poeta Louise Glück, que faleceu na semana passada aos 80 anos, escreveu em seu belo poema "Averno" -
É terrível ser sozinho.
Não me refiro a viver sozinho -
Mas a ser sozinha, sem ninguém que nos ouça.
Obrigado por se comunicar, Noreen, e sinto muito que tenha perdido seu marido. O fato de terem sido casados por 45 anos é um testemunho inspirador do potencial duradouro do amor e uma alegre confirmação para aqueles que valorizam a instituição do matrimônio. Que conquista extraordinária! Se isso lhe ajudar, e se você se sentir à vontade para fazê-lo, por favor, escreva-me e conte-me sobre seu marido. Ficaria feliz em ouvi-la novamente.
Com amor, Nick
EDIÇÃO Nº 258 / OUTUBRO DE 2023
Sofri uma overdose há alguns meses e, desde então, parece que o meu prazo de validade venceu e que a minha vida não tem sentido. Será possível voltar a reconectar-me não só a mim, mas também ao mundo e às pessoas à minha volta? ZARA, GRONINGEN, PAÍSES BAIXOS
Querida Zara,
Não conheço as circunstâncias que envolveram sua overdose, mas se estiver relacionada à dependência de drogas, a minha experiência diz que as pessoas não costumam passar por uma única experiência de overdose, mas tendem a repeti-la diversas vezes e, com demasiada frequência, acabam falecendo. Tendo isto em mente, o meu conselho é: fique limpa.
Uma maneira simples de começar a fazê-lo é frequentar os Narcóticos Anónimos. Se perseverar, com o tempo terá um problema completamente diferente — não é que a vida não tenha sentido, mas sim que tem quase demasiado sentido. À medida que as escamas caem dos seus olhos, o mundo entra em foco, apresentando-se com uma espécie de eloquência vibracional que pode, no início, ser quase esmagadora. Tudo brilha, tudo se ilumina, tudo anseia pela sua atenção. As árvores parecem hiper-reais, suas raízes afundadas na terra, os seus ramos estendidos até ao céu; os pássaros parecem almas de carne e osso, frágeis, mas cheios de vida; o céu se desdobra e se revela; o oceano se agita; as pessoas nos fascinam; os livros são belos; as crianças são dínamos rodopiantes em meio ao caos; os cães ladram e os gatos miam; as flores gritam; o seu vizinho resplandece; e Deus, como uma espiral, flui através de todas as coisas. O mundo lhe espera, pleno de significado. Você está viva, cheia de possibilidades. Você não está morta.
Então, Zara, há algumas coisas que você precisa fazer. Deixe de babaquice e trate de por sua bagunça em ordem . Fique limpa e não morra.
Com amor, Nick
Tenho 17 anos e ainda não sei se realmente quero gravar e lançar um EP em que tenho trabalhado com minha banda — que formei com alguns amigos — do qual estou muito orgulhoso e satisfeito no que toca à parte instrumental, embora saiba que o meu vocal possa melhorar bastante. Se esperássemos um pouco mais, eu conseguiria criar algo do qual poderia me orgulhar. No entanto, não quero esperar mais, porque temos a oportunidade de gravar em um grande estúdio, e eu não quero atrasar o processo. O que devo fazer? EUGENIO, ROMA, ITÁLIA
Caro Eugénio,
Quando comecei a cantar, tinha exatamente a sua idade, e não fazia a mínima ideia de como fazê-lo. Na minha banda, também composta por amigos da escola, geralmente eu era aquele considerado como o "não-músico". Tornei-me o cantor, não por causa de um talento evidente, mas porque tinha a ousadia de me apresentar diante das pessoas, repleto de nada mais que imperfeição e arrogância, e, claro, de me lançar alegremente diante da reprovação daqueles que tinham a infelicidade de me ouvir. Cantei, cantei e cantei mais um pouco, porque sabia que era isso que os cantores faziam. Acabei por encontrar uma voz que finalmente podia chamar de minha e que, no geral, conseguia acompanhar uma melodia. Aprendi algo valioso — uma espécie de resistência capaz de desafiar as mensagens opositoras, especialmente as da minha própria cabeça, que me diziam que o meu canto podia ser melhor. Tornei-me resiliente e defensor da minha própria visão e aprendi que aquilo que "podia ser melhor" era, na verdade, a perene energia vital que me impulsionava para a frente.
Se a sua intenção é se tornar um cantor, Eugenio, então você precisa cantar, cantar e cantar, sempre mais um pouco. O fato de aproveitar ou não a oportunidade de gravar em um grande estúdio não está no cerne da questão. Cantar é um dever que você tem para consigo mesmo. Se você não aproveitar as oportunidades que se apresentam, pode ser que se torne para sempre aquele rapaz melancólico, contemplando da janela um sonho perdido, que você nunca teve a autoconfiança para tornar realidade. E não há nada mais triste neste mundo do que alguém que abandona os próprios sonhos.
Já se passaram cinquenta anos daquela época em que eu tinha a sua idade — com as mesmas dúvidas e interrogações acerca das mesmas coisas — mas aqui estou, e ainda canto. Escrevo-lhe de um estúdio, na zona oeste de Nova Iorque, onde estou mixando meu próximo disco e, à medida que sou inundado por novas e belas canções, também sinto-me inspirado a dizer-lhe que o privilégio de exercer a mais vulnerável das ocupações — ser cantor — é incomensurável. E, aqui sentado, refletindo, acho que posso dizer — com muito orgulho — que hoje a minha voz é bastante boa, mas, quer saber, podia ser ainda melhor.
Então quer dizer que você é um cantor, Eugenio? Mesmo? Se assim for, não há outra opção — entra no estúdio e tenta: canta. Somos obrigados a fazer as nossas melhores tentativas para nos tornarmos aquilo que desejamos ser; caso contrário, seremos para sempre os tristes cúmplices da nossa própria derrota.
Canta, Eugenio, canta.
Com amor, Nick
Tradução: Sergio de Souza
Moro no primeiro andar
Moro no primeiro andar.
Acima de mim os que tomam
Conhaque pela manhã,
Absinto pela tarde.
Os poetas sem sentido na vida
E os que não lêem poesia.
Da janela não vejo o mar,
Senão fumaça e sucata.
A fuligem mancha os tapetes baratos
De minha pobre morada.
De subir os primeiros degraus,
Já canso.
Os pássaros passam pelas cortinas,
Mas não param.
Sobem.
Da sacada não avisto o mundo inteiro,
Mas uma árvore desértica
Que me dá tristeza na alma.
Do último andar deve ser mais bonito,
Do terraço de onde se vê o topo do mundo,
Para onde sobem os pássaros
Que não pousam na minha janela.
No último andar a fumaça se dispersa
E o ar puro traz o luar,
Quando a noite é de luar.
Do último andar não se ouve o ronco
Da podridão noturna.
O gemido das almas que se vendem:
É lá que eu quero morar.
Mesmo que me canse e custe a chegar
É lá o meu lugar.
Do último andar tudo é pequeno,
Até as lágrimas das crianças
E a correria desenfreada
Do homem que nunca olha para o alto.
No último andar as luzes estão todas acesas
E o silêncio nunca é interrompido,
Dá para ver o céu derramado sobre a cidade
E o padre correndo para celebrar a missa.
É lá que eu quero morar.
(9 de fevereiro de 2013)
Meu caro amigo Sérgio, quero dizer isto da forma mais simples e direta possível: sua newsletter nos ajuda a viver. Muito obrigado.
Muito bom, Sérgio!!