Meu avô, meu herói, faleceu há algumas semanas. Ele era um homem incrível: um cowboy; um vaqueiro; um homem de Deus.
Depois de voltar do funeral no Kansas, percebo que cada canção ou composição que crio inevitavelmente se volta para ele. É algo belo, mas ao mesmo tempo muito doloroso.
Sinto-me perdido e confuso em relação às canções que estão surgindo. Escrever essas canções/poemas me faz sentir mais próximo dele. Tenho o desejo de compartilhá-las, mas sinto crescer em mim o receio de que essa partilha possa banalizar ou transformar a memória dele ou nosso vínculo em algo comercial. Não quero reduzir sua importância dele.
Sempre admirei artistas que enfrentaram o luto por meio de sua música, mas agora que estou vivenciando isso, percebo o quanto de coragem é necessário.
Uma das últimas coisas que meu avô me disse foi: "Dedique-se à música!" No entanto, confesso que está sendo um desafio.
O que devo fazer com essas canções?
TOMMY, LONDRES, REINO UNIDO
Caro Tommy,
Sua pergunta resume eloquentemente a natureza do ato de compor. Fazer música é viver perpetuamente em um estado de apreensão quanto ao que a próxima composição pode trazer. Novidade, autenticidade, verdade — cada uma delas carrega seu próprio perigo inerente. O que a nova canção revelará sobre nós mesmos? O que ela exporá? Isso pode parecer estranho para alguns, porque se poderia presumir que o compositor tem controle sobre como a música se desenha — afinal, não escrevemos apenas o que desejamos escrever? No entanto, constatei que é ilusória a percepção a respeito do controle criativo. As canções têm uma trajetória própria, não nos pertencem.
Quando comecei a escrever Ghosteen, minha intenção não era criar um álbum sobre a morte do meu filho. No entanto, enquanto eu rascunhava, sentia que Arthur intervinha no processo. Ele se tornou a força dominante, presente no desfecho de cada canção, exercendo sua soberania. Ele mesmo me mostrou como escrever o álbum, e eu simplesmente não tive escolha.
Hoje, quando sento para compor, sinto os mortos, todos os que se foram, guiando o curso das palavras. Eles não são necessariamente o tema das músicas, mas sim a energia espiritual que as percorre. Os mortos estão sempre conosco, exercendo sua influência sobre nós. Nós, os vivos, somos a anima exuberante que permanece após sua partida. Como compositores, esboçamos nossa existência, escrevendo para dar vida aos espíritos daqueles que se foram.
Quanto ao que fazer com as músicas que você está escrevendo, eu não me preocuparia tanto com isso, Tommy, afinal, não é nem mesmo você quem as está compondo! Eu diria, no entanto, que, se você for parecido comigo, deve estar criando algumas boas canções e outras nem tanto. O nosso controle se exerce na identificação delas. Persiga as boas, as verdadeiras, autênticas —trabalhe nelas e faça-as brilhar, para que se tornem metáforas maravilhosas do amor que você tem por seu avô. Com o tempo, sua ausência deixará de ser um tema recorrente para se tornar uma dádiva do ser, manifestando-se tanto na música como na vida, contribuindo para trazer profundidade a tudo aquilo que você produzir. Boa sorte com tudo.
Com amor, Nick
EDIÇÃO #262 / NOVEMBRO DE 2023
Gostaria de saber o que você pensa a respeito do recente ensaio escrito por Ayaan Hirsi Ali, "Por que agora sou cristã". Essas duas frases a seguir, em particular, me fizeram pensar em você (e na ateia, quase totalmente esvaída, que ainda há em mim):
“Também me voltei para o cristianismo porque, em última análise, achei a vida sem qualquer consolo espiritual insuportável – na verdade, quase autodestrutiva. O ateísmo não conseguiu responder a uma pergunta simples: qual é o significado e o propósito da vida?"
BRIAN, LAMPANG, TAILÂNDIA
[ ] Como você descreveria, então, sua espiritualidade? [ ]
AMÁLIA, FLORENÇA, ITÁLIA
Queridos Brian e Amália,
Li o texto de Ayaan Hirsi Ali e assisti à sua entrevista com Fredd'ie Sayers, da UnHerd, com grande interesse. Em 2007, li as memórias de Ayaan, "Infiel - A história de uma mulher que desafiou o islã", um relato fascinante de sua jornada do Islã ao ateísmo. Fiquei genuinamente interessado no que poderia ter precipitado sua conversão ao cristianismo.
A citação que você menciona está muito próxima dos meus próprios sentimentos sobre o assunto, relatados em meu livro, “Fé, Esperança e Carnificina”. Enquanto lia o ensaio de Ayaan, constatei que havia poucos elementos que se alinhavam com meu interesse em religião, especialmente no âmbito do cristianismo. Para mim, o cristianismo não é uma questão política, mas uma experiência totalmente pessoal e emocional. Embora entenda os benefícios sociais do uso do cristianismo como uma espécie de anteparo contra o cinismo espiritual, o ateísmo, o fundamentalismo religioso e os excessos do nosso atual momento cultural, meu interesse pelo cristianismo nunca se baseou nesses aspectos.
Amália, aos poucos, percebo que a minha religiosidade é um estado que emerge lentamente, totalmente influenciado pela Igreja Anglicana da minha infância, e que a presença assombrada de Cristo é a qualidade essencial e definidora desse estado de ser. O cristianismo, para mim, está envolto na liturgia, no ritual e na poesia que gira em torno da figura inquieta e atormentada de Jesus, que aparece dentro do domínio sagrado da própria igreja. Minha religiosidade é discreta, ao mesmo tempo triste e alegre, ampla e profunda, e mesmo se imaginada, é verdadeira. Há adoração e oração. É resiliente, mas cheia de dúvidas, e vive em um perene embate com as forças da racionalidade, usando apenas armas de um mero pressentimento ou de uma leve intuição. A característica que define a minha crença, e que considero ser um imperativo fundamental em minha vida, é a incerteza. Esse impulso questionador é a essência da liberdade e o catalisador criativo que mantém as rodas girando irrevogavelmente em direção a Deus.
Como você certamente sabe, Brian, esse ensaio obteve uma notoriedade considerável dentro de certos círculos, provocando tanto os ateus quanto os cristãos. Isso é uma conquista louvável. Encorajaria a todos a lê-lo e a assistir à entrevista. Independentemente da interpretação de cada um, Ayaan Hirsi Ali permanece uma agitadora cultural muito necessária e uma presença corajosa e formidável. Deus a abençoe por isso!
Com amor, Nick
EDIÇÃO #263 / DEZEMBRO DE 2023
[ ] Enquanto lamentamos a perda de Shane, você poderia compartilhar suas memórias do seu 60º aniversário em Dublin ? TOBY, RICHMOND, REINO UNIDO
Shane e Sinéad no mesmo ano. Que perda enorme. Sem palavras. WILLIAM, GALWAY, IRLANDA
Caro Toby e William,
Acerca do concerto em homenagem aos 60 anos de Shane em Dublin, lembro-me de estar ao lado do palco, sentindo-me um pouco tenso e agitado com a apresentação. Cercado por todos aqueles artistas que desfilavam lindas versões das músicas de Shane , acho que também estava me sentindo um pouco deslocado naquela noite. Vi Sinéad O'Connor parada, um pouco à parte de todos os outros, meio escondida pela cortina, olhando para o chão, com um ar intenso e selvagem. Eu não a conhecia muito bem, mas já a havia encontrado algumas vezes; talvez tenhamos trocado algumas palavras, mas sempre admirei sua singularidade, seu espírito indomável, sua capacidade de desinstalar os outros, sua beleza e, é claro, sua voz celestial. Sinéad levantou a cabeça e cruzou meu olhar, deu um sorriso e veio me abraçar. Não tenho certeza do porquê, mas fiquei terrivelmente comovido com esse gesto. Ela foi tão calorosa, generosa e gentil naquele momento. Eu não tinha ideia do quão valioso seria aquele momento para mim. Antes que eu pudesse dizer-lhe qualquer coisa, fui conduzido ao palco para cantar “Summer in Siam” com Shane. Acho que foi a penúltima música do show, e seria a primeira vez naquela noite que Shane subiria ao palco para se apresentar. Subi com ele e cantei essas palavras tão simples e singelas:
Quando é verão em Siam
E a lua está cheia de arco-íris
Quando é verão em Siam
Embora passemos por tantas mudanças
Quando é verão em Siam
Então, tudo o que sei
É que verdadeiramente estou
No verão de Siam
A esposa de Shane, Victoria, então, o empurrou em sua cadeira de rodas e, bem, eu sei que deveria estar falando sobre o puríssimo gênio indomável de Shane MacGowan e de como ele foi o maior compositor de sua geração, com a mais aterrorizantemente bela das vozes — tudo isso é verdade —, mas o que me impressionou naquele momento foi a extraordinária demonstração de amor por aquele homem, tão poderosa e profunda, que jorrava da plateia. Nunca havia vivenciado algo daquela dimensão, e naquele momento, recordei-me do breve poema de Raymond Carver.:
E você teve o que queria
desta vida, apesar de tudo?
Tive.
E o que você queria?
Dizer que fui amado, me sentir
amado sobre a terra.(Trad.: Cide Piquet)
Shane não era admirado apenas por seus diversos talentos; era amado pelo que era. Um homem belo e marcado, que encarnava uma espécie de pureza, inocência, generosidade e uma inteligência espiritual incomparáveis.
Certa vez, Sinéad disse a respeito de Shane: 'Ele é um anjo. Um anjo de verdade.' Se isso é verdade ou não, quem poderá dizer? A única certeza é que Shane foi agraciado com um espírito peculiar de bondade e um profundo senso do que é genuíno, qualidades que estranhamente se intensificavam em meio às suas fragilidades e humanidade. Podemos afirmar com segurança sobre ele: 'foi amado sobre a terra', tanto por Sinéad quanto por todos os que sentem profundamente sua falta.
Com amor, Nick
NÚMERO #264 / DEZEMBRO DE 2023
Estes são tempos terríveis. Meu amigo, na verdade, meu melhor amigo, e eu não concordamos a respeito da atual situação política. Acabamos discutindo sobre essas coisas, o que não é comum para nós, e isso está ameaçando nossa relação. O que faço? Você discute com seus amigos? ANDREAS, PORTSMOUTH, REINO UNIDO
Querido Andreas,
Pessoalmente, aprecio um certo grau de discordância em uma relação. Acho que pode ser um estímulo fortalecedor e revitalizante. Não considero coincidência que meus amigos mais queridos, aqueles que sei que me amam, desejam o melhor para mim e estão sempre ao meu lado, sejam também aqueles com os quais mais discordo.
Nossos relacionamentos mais autênticos e profundos nos proporcionam a liberdade de expressar uma opinião sem o receio de que isso seja prejudicial à parceria. A discordância prova a resistência e a complexidade de nossos relacionamentos e não precisa ser uma força desestabilizadora; pode ser aquilo que consolida e suaviza o vínculo entre duas pessoas. Muitas vezes, para nossa surpresa, descobrimos que nossas discussões mais acaloradas são as faíscas ascendentes criadas por duas virtudes colidindo.
Um relacionamento baseado exclusivamente na concordância constante, onde ambas as partes sorriem e concordam o tempo todo, seja em um casamento, amizade, parceria ou qualquer outro vínculo, provavelmente é disfuncional, efêmero e tende a se tornar monótono.
Entretanto, para além das divergências, o elemento revitalizador de qualquer relacionamento é o perdão — a capacidade de dilatar o coração para aceitar as transgressões, percebidas ou não, do outro. Se conseguir fazer isso de maneira sincera, Andreas, e escutar o que seu amigo tem a dizer, isso pode inspirá-lo a fazer o mesmo, tornando seu relacionamento ainda mais consistente. Uma sociedade desprovida da dinâmica de opiniões discordantes seria um tipo de inferno anódino, então, não tenha medo de discordar, mas esteja pronto para perdoar e ser perdoado, e deixe que o amor e a compreensão transcendam corajosamente as divisões.
Com amor, Nick
Muito bom. Gostei especialmente da resposta a Brian e Amália. Obrigada pela tradução, Sérgio.